Era
uma vez uma galinha chamada Delfina. Isso mesmo. Galinha, a grandiosa ave de
rapina Gallus gallus domesticus, e seu nome era Delfina. E este é o
relato da breve história de vida que tive com ela. Relato, não se engane, pois
as palavras que aqui escrevo são tão verídicas quanto eu, você ou Delfina. Pois
tudo isso realmente aconteceu alguns anos atrás, embora eu só venha a escrever
agora por estar imbuído, neste mesmo momento, de grande saudade da boa
companheira quer me foi, Delfina.
Certa
noite, passei na cozinha de minha casa, pois era atormentado pelos piores
desejos carnais que o homem já possuiu. Desejo daqueles que embrulha e revira o
estomago e nos devora por dentro e não passa. Raramente passa. Na verdade, já
era minha quarta ou quinta jornada em direção a cozinha, porque tal desejo, tão
insaciável, já me havia acometido horas atrás. E em nenhuma das peripécias
anteriores á cozinha resolveu meu problema.
Primeiro o armário. Vazio. O trágico e infeliz
vazio do nada, que assombrou-me naquele momento. Depois a dispensa outra vez.
Vazio. Se existe alguma palavra que pode expressar o que um reles humano rente
ao se deparar com aquele vazio ela seria Desolação. E, quando as esperanças
escorriam como água entre os dedos, veio-me a mente a mais brilhante das
ideias. A geladeira.
Tolo.
Por que haveria de haver alguma coisa na geladeira? Nunca nos incontáveis dias
de minha vida eu encontrara algo de realmente valioso por lá. Mas tolo mesmo
era eu por não ter pensado nela antes, pois, ao abrir as portas, com meu
coração a boca, encontrei o maior dos tesouros, aquele que me saciaria todos os
desejos mais profundos.
Havia
arroz, e também havia feijão. Aqueles deliciosos pratos de arroz branco e
feijão carioca. Contudo nada é completo, nem mesmo a felicidade. E, para a
minha desgraça, não havia carne. Em que casa não existe carne? A mesma em que
não se encontra quase nenhuma comida.
Contei
o caso para um grande amigo mais tarde e ele compreendeu meu sofrimento. “Intriga-me
os motivos de não haver fritado nem um ovo para acompanhá-lo.” Ele comentou. E
tudo que respondi foi: “Feliz aqueles que possuem um mísero e único ovo para
essas horas, meu caro.”
No
primeiro dia que se seguiu ao trágico evento, ocorreram as compras, e
finalmente haveria do que comer em casa. No segundo dia, a noite foi mais feliz
e até dormir bem eu pude. No terceiro dia, reencontrei meu amigo pessoalmente e
ele, dizendo o quanto ficou tocado com minhas dificuldades, trouxe-me um
presente. Muito estranho aquele embrulho de formas retangulares, lembro-me bem
até hoje de ficar curioso para saber o que havia ali dentro.
Rasguei
o embrulho e retirei a tampa da caixa para enfim me deparar com uma galinha.
Delfina era seu nome. Delfina era ave. Delfina era a Ave. Ave Delfina. “Crie a
galinha e sempre terá o ovo para comer, mesmo que o resto lhe falte a mesa.”
Exclamou meu amigo. E seguindo seu conselho eu criei a Delfina. Criei, sim
senhor, por quase um mês me felicitei com companhia enquanto aproveitava de
seus nada menos que deliciosos ovos. Bons dias aqueles, posso dizer.
Em
quatro semanas seguintes ao inicio de nossa convivência, no entanto as compras
haviam acabado e os ovos de Delfina eram tudo o que ainda me mantinha nessa
vida. Grato sou pela galinha, pois não apenas boa companheira, ela era também o elixir que me
trazia a vida. Mas as criaturas ferozes e ignóbeis que habitam minha casa e a que
chamo de família enjoaram dos ovos e quiseram tirar proveito da pobre e doce
Delfina que sempre fora tão boa com eles. Assim, assassinaram e devoraram a
galinha. Abismado, quando eu descobri a atrocidade canibal e cruel de seus
atos, já era tarde demais.
Era
uma vez uma galinha chamada Delfina. Era porque não é mais. E este é o relato
da breve história de vida que tive com ela. Breve vida a dela, não se engane, pois
em casas de famintos não dura a boa comida. Mas grande é a saudade da boa
companheira quer me foi, Delfina.
Enki
Um agradecimento especial para o meu irmão de coração J.P.
que trouxe as ideias das quais sairam esse conto!
Obrigado por tudo, cara!